terça-feira, 23 de novembro de 2010

Absurdos cristãos

          Finalmente, neste contexto, devemos mencionar também a Fetum
asinorum, que era celebrada principalmente na França. Embora essa festa
fosse considerada uma celebração inofensiva em memória da fuga
para o Egito, ela era celebrada de um modo algo curioso, que podia ser
motivo de equívocos. Em Beauvais, a procissão do burro entrou diretamente
na Igreja. Na missa solemnis que se seguiu, todas as pessoas relinchavam
no final de cada parte da missa (do Intròito, do Kyrie, Glória,
etc, isto é,y-a, como faz o burro, "hac modulatione hinham concludebantur").
"No final da missa o sacerdote relinchará três vezes {ter Hinhannabif)
em vez do ite missa est, e o povo responderá em vez do Deo
gratias, três vezes y-a {hinham)", segundo se lê em um codex manuscriptus,
supostamente do século XI.



DU CANGE cita um hino relacionado com esta festa:

Orientis partibus,
Adventavit Asinus,
Pulcher et fortissimus,
Sarcinis aptissimus

De países do Oriente Eis
que o asno chegou Belo e
fortíssimo O melhor
portador.

Versos desse tipo eram sempre seguidos pelo refrão francês:

Hez, Sire Asnes, car chantez,
Belle bouche rechignez, Vous
aurez du foin assez et de
l'avoine à plantez.

Hei, Senhor Asno, canta!
Negas esta iguaria? Terás
bastante feno e aveia em
demasia.


O hino consta de dez estrofes, sendo que a última diz:

Amen, dicas, Asine (hic genuflectebatur) Jam
satur de gramine, Amen, amen, itera
Aspernare vetera (?)

Dize amém, senhor Asno {aqui é feita uma genuflexão)
Saciado estás de capim,
Repete amém, amém
E despreza o velho, sim (?)



           DU CANGE diz: quanto mais ridículo parecia este rito, "com maior
entusiasmo era celebrado" (eo religiosiori cultu observata fuerint). Em
outros lugares colocava-se sobre o asno uma manta dourada, cujas pontas,
cônegos eminentes seguravam (praecipuis canonicis); "os outros
presentes deviam vestir-se festivamente como convinha, tal como no dia
de Natal". Pelo fato de haver certa tendência a relacionar simbolicamente
o asno com Cristo, e uma vez que desde tempos remotos o Deus dos judeus
era concebido vulgarmente como um asno e o próprio Cristo fora
atingido por este preconceito, conforme indica o crucifixo escarnecedor
rabiscado na parede da Escola Imperial de Cadetes, no Palatino, e
TERTULIANO o confirma: o perigo do teriomorfismo rondava. Os
próprios bispos durante muito tempo nada puderam fazer contra este costume,
até finalmente ser suprimido pela auctoritas supremi Senatus. A
suspeita de blasfêmia torna-se visível no Festival do Asno de NIETZSCHE
, que é uma paródia deliberadamente blasfema.
(JUNG, Carl. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, p.254, 255. Vozes. 2002: Petrópolis)

Fica evidente o nível ridículo que o cristianismo alcançou com o tempo. Hoje, é tão ou mais ridículo, porém de outras formas; rebaixando o humano ao mais baixo nível possível em virtude do crescimento de seus aspectos anti-naturais e absurdos.

sábado, 6 de novembro de 2010

Um pouco de Fernando Pessoa e Von Thronstahl/The Days of the Trumpet Call

 O Quinto Império

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raíz --
Ter por vida sepultura.

Eras sobre eras se somen
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa -- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
 


  NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo - fátuo encerra.


Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!


Valete, Frates



Músicas retiradas do álbum Pessoa/Cioran, um split de Von Thronstahl e The Days of the Trumpet Call. O mesmo (e outros) pode ser baixado AQUI.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Natureza


"A natureza é o grande reino das coisas, das que não querem nada conosco, que não nos acusam, nem solicitam de nós reações sentimentais, que permanecem diante de nós mudas, como um mundo em si mesmo, externamente estranho a nós.
Isso é estritamente o que necessitamos... Aquela realidade sempre grande e distante, que repousa em si mesma, muito além das pequenas alegrias e das pequenas dores do homem. Um mundo de objetos, fechados em si mesmo, nos quais nós mesmos sentimo-nos como um objeto. Pleno desapego daquilo que é apenas subjetivo, de toda vaidade e nulidade pessoal: esta é para nós a natureza." -
Matzke

Retirado e traduzido de "Cabalgar el Tigre", de Julius Evola.