quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Portugal, tantos de tal

Belo poema português de Rodrigo Emílio, musicalizado por José Campos e Souza. Vídeo feito pela Legião Vertical. A versão do poema que coloco aqui é um pouco diferente da cantada, mas nada que difira muito.
Nas imagens podemos ver um orgulho português, um povo idealizado de guerreiros fortes se afirmando sobre mouros e invasores d'outras terras.
Portugal, viva!




PORTUGAL, TANTOS DE TAL...


Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a rocha do cais de Alcântara-Mar
me acenou, e intimou os oceanos
a abrirem alas aos meus vinte-e-quatro anos,
a abrirem-lhes os portais, de par em par...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que troquei com Lisboa um longo olhar...

(...E, à medida
que a expressão, transida,
do semblante da cidade-mater benquerida,
sancionava os paramentos
da partida,

vinham de lá os mais nevoentos
dos seus ventos,
em comitiva desabrida,
apresentar cumprimentos
de despedida.).

Foi a esta mesma hora, d'outros tempos,
que a Vida deu mais vida à minha vida.

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a marítima gare de Alcântara-Mar
agitou as mãos, drapejou lenços, desfraldou panos,
aclamou, votoriou milicianos
e, de mim se foi sumindo, devagar...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que aprendi a bem-amar o alto-mar!...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que, nas asas do azul mais excitante,
fui chamado a render os veteranos,
com a minha elevação a alferes-infante;
os que lá, nos quadrantes africanos,
finda a sua campanha extenuante,
concitavam o advento de esquadrões pretorianos
que levassem o combate por diante...!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
num fim de tarde tão distinto quão distante...,
que o sextante testou ombros e planos,
e eu me rendi, pelo espaço de um par de anos,
ao meridiano encantamento do Levante!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a Pátria talhou prôas no meu peito,
e que o ideal dos lusitanos,
indiferente quer a perdas quer a danos,
ou a penas e peninhas d'outro jeito,
passeou os seus vinte e quatro anos, soberanos,
p'lo mastro principal do «Príncipe Perfeito»!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que o Sonho se cumpriu! Sonho desfeito...

Foi por esta mesma hora, qque recordo
e que nunca por nunca mais enterro,
que a minha ansiedade entrou a bordo,
que todo o meu ardor levantou ferro!

Foi por esta mesma hora, d'outra idade -
- quando o lance de partir era critério,
e a Vida era Verdade, e a mocidade
rumava d'hemisfério a hemisfério... -,
foi por esta mesma hora, de ouro e jade,
que a saudade criou ferida
e a cidade diluída me fitou bastante a sério.

Fim-de-tarde...
Fim-de-Vida...
Fim-de-dia...
Fim-d'Império...!

Rodrigo Emílio - (escrito em 1998)
In: "Antologia Poética", Areias do Tempo, Coimbra, 2009