terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Corvo - Edgar Allan Poe

Tradução de Fernando Pessoa (1924), em versos rimados

O CORVO


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

     É só isto, e nada mais."

 

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro

E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.

Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada

P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

     Mas sem nome aqui jamais!

 

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo

Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!

Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:

"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;

Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

     É só isto, e nada mais."

 

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,

"Senhor", eu disse, "ou senhora, de certo me desculpais;

Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo

Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,

Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

     Noite, noite e nada mais.

 

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,

Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.

Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,

E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -

Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,

     Isto só e nada mais.

 

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,

Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.

"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.

Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.

Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.

     É o vento, e nada mais."


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